Estamos porcurando a terra do nunca, e um dia iremos achar. basta acretidar e sonhar!

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

"Tem dias que não sei se devo parar de respirar definitivamente ou se fico em apnéia durante todo o tempo que me resta. Dias em que debaixo das cobertas respiro e engulo minhas lágrimas sentindo o sabor delas na língua. Levanto de uma cama desarrumada com os cabelos despenteados e com a pele violentada. Nua, diante de um espelho, observo meu corpo. Vejo uma lágrima escorrendo dos olhos pelas faces, enxugo com um um dedo e arranho um pouco a bochecha com a unha. Passo as mãos nos cabelos, puxo para trás, faço uma careta só para parecer simpática e rir de mim mesma: mas não consigo, quero chorar, quero me punir. Vou até a primeira gaveta da mesinha. Primeiro examino tudo que tem dentro, depois separo com cuidado o que quero vestir. Boto as roupas dobradas em cima da cama e ponho o espelho bem em frente do lugar onde estou. Observo novamente meu corpo. Os músculos ainda estão tensos, a pele, no entanto, é macia e lisa, branca e imaculada como a de uma menina. E uma menina é o que sou. Sento na beira da cama, enfio as meias esticando a ponta do pé e fazendo o véu fino deslizar até que a borda rendada chegue à coxa, apertando um pouco. Depois é a vez do corpete de seda preta com cordões e fitinhas. Aperta meu busto e afina a cintura que já é bem fina, evidenciando ainda mais os quadris, muito bem providos, redondos e macios demais para evitar que os homens desagüem ali as suas bestialidades. Os seios ainda são pequenos: duros, brancos, redondos, cabem nas mãos e podem esquentá-las com seu calor. O corpete é estreito, os seios ficam comprimidos, apertados um contra o outro. Ainda não é chegado o tempo de admirar-me. Calço as botas de salto agulha, enfio o pé até o tornozelo delicado e sinto que meu metro e sessenta ganha repentinamente dez centímetros. Vou até o banheiro, pego o batom vermelho e banho meus lábios suculentos e macios; depois aumento os cílios com rímel, penteio os cabelos longos e lisos e vaporizo três vezes o perfume que estava em cima do espelho. Volto para o quarto. Lá verei a pessoa que me faz vibrar a alma e o corpo com força. Examino-me encantada: uma luz especial contorna meu corpo, e meus cabelos caídos suavemente nos ombros convidam-me a acariciá-los. A mão cai vagarosamente dos cabelos, quase sem que eu perceba, para o pescoço, acaricia a pelde delicada, e dois dedos envolvem sua circunferência apertando de leve. Começo a ouvir o som do prazer, ainda quase imperceptpivel. A mão desce um pouco mais, começa a acariciar o peito liso. A menina vestida de mulher que está diante de mim tem os olhos acesos e ávidos (de quê? de sexo? de amor? de vida verdadeira?). A menina só é senhora de si mesma. Seus dedos emaranham-se entre os pêlos de seu sexo e o calor lhe provoca um estremecimento da cabeça. Mil sensações me invadem.
-Você é minha - susurro, e logo a excitação toma posse do meu desejo.Mordo os lábios com os dentes perfeitos e brancos, os cabelos descompostos fazem minhas costas suarem, pequenas gotas enchem meu corpo de pérolas.Ofegante, os suspiros aumentam... Fecho os olhos, meu corpo tem espasmos por todo lado, minha mente está livre e voa. Os joelhos cedem, a respiração é curta e a língua percorre os lábios, cansada. Abro os olhos: sorrio para a menina. Aproximo-me do espelho e lhe ofereço um beijo longo e intenso, minha respiração embaça o vidro.
Sinto-me sozinha, abandonada. Sinto-me como um planeta em cuja órbita giram três estrelas diversas: Letizia, Fabrizio e o professor. Três estrelas que me fazem companhia em pensamento, mas não na realidade."

Melissa Panarello, em Cem Escovadas Antes de Ir para a Cama

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